sexta-feira, 10 de dezembro de 2010


Sentada no parapeito sente-se tão leve, seus pés finalmente livres do chão... observa a lentidão das luzes, as pessoas distraídas enquanto caminham, passos apressados, despreocupados, eufóricos, desorientados... Sente a brisa em seu corpo, as estrelas tão próximas... Lágrimas tocam sua pele, chora não sabe há quanto tempo, nem porque... Lágrimas abundantes, o sorriso no rosto... A altura não mais a amedronta, não sente mais saudades, nem anseia o futuro, sente apenas imensa vontade de voar...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010


Um texto feliz? Quem sabe um dia! Devaneios, insônia, textos, cinismo, mensagens... Dissimulados! Quanta farsa, ilusão, para quê? O que querem de mim? Causar sofrimento? Deitem suas cabeças em seus travesseiros e comemorem a noite bem dormida, pois eu já não durmo bem há meses... Vivam e me deixem em paz, me esqueçam... Chega de hipocrisia, assumamos nossas culpas, afinal nada será como antes, não se pode voltar ao passado, e o presente jamais acontecerá sem que alguém seja infeliz... Chega de angústia, de meias palavras... Quero despir-me dessas lembranças!!!

terça-feira, 16 de novembro de 2010


Pupilas dilatadas, olhares insanos, agitados, procuram em meio à escuridão... Animais que rodeiam, possuem mais humanidade que muitos que se dizem humanos, observam sem aproximar-se... Reflexos rápidos, vozes distantes, insanidade... Alucinações noturnas, insônia e mais uma noite...

sábado, 13 de novembro de 2010


Os dias são sempre nostálgicos... As mesmas noites mal dormidas, os pesadelos constantes, as lembranças de bons momentos que nunca voltarão, se perderam para sempre... Segue sem rumo, vive do passado, de suas lamentações, talvez seja uma proteção... Prefere chorar pelo que se perdeu porque sabe que nada terá que fazer para mudar... Tem receio do presente, não assume sentimentos, apenas se protege enquanto a vida passa...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010


Vestiu a velha camiseta, um verde já desbotado pelos anos que passaram e, como sempre acontecia, as lembranças vieram... olhou-se no espelho, como o tempo passou depressa, quantas marcas em seu rosto, sua expressão já não é a mesma, parece dura, ríspida, mas na realidade tenta apenas disfarçar a tristeza... sentou-se no sofá para mais um fim de tarde monótono olhando a TV sem que nada realmente lhe prendesse a atenção...
- Garanto que você tem saudade! disse a voz de outra pessoa sentada no sofá a sua frente.
- O que disse? responde assustada.
- Garanto que você sente saudade! afirmou novamente a voz.
Nada responde, apenas submerge em suas lembranças...
Sempre apressada descia a escadaria, mal cumprimentava as pessoas e corria para abrir a sala, por alguns segundos perdia-se com tantas chaves e chaveiros, enfim localizava a certa, dois giros com a chave na fechadura, um empurrão forte na porta, e a total escuridão que exalava a costumeira mistura de cheiros, o lanche esquecido por alguém sobre o balcão, os copos abandonados com vestígios de suco, as garrafas pet vazias no velho carrinho de compras... Em poucos segundos a luz invadia o local, o computador era ligado, as mudanças semanais, discutidas na segunda, eram expostas no mural, as pessoas aos poucos chegando, o silêncio quebrado... Passos apressados desciam as escadas, risos, muitas vozes soavam ao fundo, eufóricas, enérgicas, vivas... Alguns segundos depois, junto as vozes, o quicar das bolas...
- Todos os dias! responde após suas lembranças.
- O que disse? pergunta a voz da pessoa sentada no outro sofá.
- Sinto falta, todos os dias! responde encerando o assunto.
Alguns dias, veste novamente a velha camiseta verde, liga seu computador, olha a caixa de entrada de seu e-mail, sua atenção alerta para uma mensagem “Projeto...”, ao ler a angústia domina, sufoca, tortura... E o futuro que sonhavam, buscavam, o que aconteceu? Gritam por ajuda e ninguém se prontifica, esperam por uma reviravolta que ninguém sabe se vem...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010


Quantas perguntas, O que realmente quer saber? Curiosidade em seus olhos que me encaram, espontaneidade que confunde, constrange, aguça minha sede por sua presença, seu sorriso, instiga e abandona... Sede aguçada, transbordaria em você, em uma taça de vinho... Devoraria cada momento, intenso, sonhado, planejado... Abandono repentino, certeza do reencontro, mais perguntas, elas nunca cessam, mais sede, fome... Solidão, silêncio, desejos, medo, tento saciar-me com as leituras nostálgicas, espero saciar-me de você...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


Quantas canções, conversas, saudades... Lembranças, quantos se... Entender, como? Desistência, acomodação, abandono, há tempos tem sido assim... Brincadeiras da mente enquanto dorme, desejos, aspirações, flagelações? Escuridão que acalma, relembra... Espera por quem não chega, não vem... Saudades... Promessas... Canções... E o medo... Quantas revelações deveriam ser feitas, há quanto tempo, tantos ensaios, pouca coragem... Uma carta reescrita, repensada covardemente, um abraço, lágrimas e um bilhete deixado no travesseiro...

Respire e conte até dez... Pense, repense antes da pronúncia, tudo se volta, revolta... Palavras insanas tentam convencer, cínicos, inexperientes, vocês não me enganam... Respire e conte quantas vezes necessitar, por enquanto é preciso esperar... Quantos sorrisos, quanta hipocrisia... Respire e conte, um, dois, três... Deixe o tempo passar, sem pressa... Um, dois, três...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010


Sonhos que testam seu limite, torturam com a beleza de um sorriso, mais pesadelos que sonhos... Noites mal dormidas, dias mal humorados, quantas dores, na coluna, nos ombros, na alma... Pausas para uma hora e meia de felicidade toda quinta a noite... Sono sem fim todas as manhãs, insônia todas as noites quando relembro as tarefas que acumulam dia a dia, sem perspectiva de resolução... Chuva intensa que não lava a alma, noite solitária dirigindo a caminho de casa, sem luzes, sem obstáculos, sem limites... Manchas roxas no corpo, resultado das quedas, físicas e da alma... Contagem regressiva para mais um ano, para mais uma apresentação, mais uma reunião, mais uma visita, e as contagens reversas? Saudades, lembranças, lugares, sons, cheiros, gosto... Quando o corpo repousa, o sono ininterrupto, os medos afloram, as imagens confusas, as quedas, pequenas torturas, singelas, decepções, pequenas ilusões que ferem todas as noites, rostos, sorrisos, um beijo na testa, calafrios, gritos, medo, alívio quando se ouve o som que avisa que é hora acordar...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010


- Como você imagina sua vida daqui a dez anos?
- Não sei... Não imagino... Talvez igual agora... Por quê? Você imagina a sua?
- Sim, tenho planos...
- Eu nunca imaginei a minha...
- Você tem que começar a pensar...

A insegurança não me permite planos distantes, tenho medo das decepções, das angústias futuras, o futuro me amedronta... O atual tem sido aflitivo, o posterior aterroriza, às vezes chego a desacreditar dele, sem perspectivas, como se não fosse real... Muita coisa parece não ser real ultimamente, tudo parece confuso como a insanidade de meus pesadelos constantes, talvez esteja só dormindo demais...É que ao menos dos pesadelos do sono posso acordar... Pensei nos planos para o próximo final de semana, aqueles que eu nunca concretizo, aqueles que dizem que eu mesma boicoto, pensei novamente naquele dente-de-leão que há dias surgiu como assunto em uma conversa, tão leve, delicado e livre, pensei novamente em ser um deles...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


Os dias passam...

Sem inspiração...

Sem aspirações...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010


Mãos trêmulas, pensamentos desconexos, sentimentos a flor da pele, prontos para uma explosão quando entrarem em contato com qualquer ser que os aborreça, algo reprimido, nó na garganta, ânsia que espera mais um simples acontecimento para jorrar pela garganta o vômito de ira, trazendo consigo tudo que corrói sua essência há tempos, e que nos últimos meses tem atormentado todos os seus dias, horas, minutos, segundos... Ácido que desintegra seus conhecimentos e os expele por suas entranhas, prostituição moral, mãos que puxam para a alienação, mãos que nos dominam sem precisar de algemas, até quando sobreviveremos?

terça-feira, 17 de agosto de 2010


“E o anjo pálido troca o mel pelo sal.” (Caio F.)
- Não entendi aquela frase que postou. O que quer dizer?
- É um pequeno trecho de um conto. Você já leu Caio Fernando Abreu?
- Não. O que o conto diz?
- Vou enviá-lo.
Tudo mudou depressa demais, e o conto foi deixado de lado com os demais do livro, na velha prateleira empoeirada, até que um dia se resolve reviver sentimentos e sofrimentos e lá está ele esperando que se cumpra a promessa.


INFINITAMENTE PESSOAL

E o anjo pálido troca o mel pelo sal.
Começou a amanhecer. Não sei ao certo como soubemos que tinha começado a amanhecer: era tão escuro ali dentro que noite ou dia lá fora não faria a menor diferença. Por algumas frestas, frinchas — não importa—, tivemos certeza de que começara, claramente, a amanhecer. E por condicionamento, talvez, porque sempre com o amanhecer chega a hora de ir embora, começamos a ir embora. Feito vampiros às avessas — necessitados de luz, não de sombra.
Tinha roxo e rosa no céu. Até as latas cheias de lixo na rua deserta pareciam vagamente douradas. Fez com que caminhássemos a pé, para olharmos o céu. E enquanto eu olhava o céu limpo da cidade suja, interpunha entre nós seu primeiro muro de palavras. Confusas, atormentadas, sobre tudo e sobre nada: palavras amontoadas umas sobre as outras, como se amontoam tijolos para separar alguma coisa de outra coisa. Eu, mal sabendo que esse — que parecia seu jeito mais falso de ser — seria nas semanas seguintes seu jeito mais verdadeiro, às vezes único.
Quando o tempo passasse um pouco mais, nos surpreendendo ainda juntos em outra madrugada, minha cabeça repetiria tonta e lúcida «Éramos tão pálidos, e nos queríamos tanto”. Éramos muito pálidos naquela primeira manhã entre as latas de lixo da rua deserta, caminhando em direção ao dia de hoje — mas ainda não nos queríamos com este enorme susto no fundo dos olhos despreparados de querer sem dor.
Lembro que olhando para cima, descobri entre o roxo e o rosa das nuvens um anjo também pálido, magro e de barba por fazer, vestido de negro, com um leve sorriso nos lábios, vertendo uma gota de mel sobre nossas cabeças. Não prestei atenção nele. Me deixava levar, guiado apenas pelo jardim que entrevia pelas frestas dos tijolos, nos muros-palavras erguidos entre nós, com descuido e precisão. Viriam depois, mais muros que os de palavras, muros de silêncio tão espesso que nem mesmo os demorados exercícios de piano, as notas repetidas e os dedos distendidos, conseguiriam derrubar.
Errei pela primeira vez quando me pediu a palavra amor, e eu neguei. Mentindo e blefando no jogo de não conceder poderes excessivos, quando o único jogo acertado seria não jogar: neguei e errei. Todo atento para não errar, errava cada vez mais. Mas durante as ausências, olhando então para cima e abrindo aboca, recebia em cheio na garganta as gotas de mel do jarro de lata que aquele anjo pálido trazia ao ombro. Embora me recusasse a ver que o anjo parecia cada vez mais sombrio. Incapaz de perceber que em seu leve sorriso, bem no canto da boca, começava a surgir uma marca de sarcasmo, feito um tique cruel.
Passaram-se muitos dias. A lua deu mais de uma volta completa no Zodíaco. Ultrapassou Sagitário e caminhou até Áries, completando seu triângulo de fogo e paixão. Bati as mãos contra o muro, procurando brechas. Não havia mais. Espatifei as unhas, gritei por uma resposta qualquer. Nem uma veio de volta. Olhei para fora de mim e não consegui localizar ninguém no meio das vibrações da cidade suja. Olhei para dentro de mim e só havia sangue. Derramado, como nas cirandas.
Queria acordar, mas não era um sonho.
Então localizei outra vez aquele mesmo anjo parado entre nuvens. Estava de branco, agora, mas nenhum sorriso nos severos, em suas mãos havia um jarro de ouro. De dentro ele, chovia um mar de sal sobre a minha cabeça. Por quê?! — eu perguntei. O anjo abriu aboca. E não sei se entendo o que me diz.

Caio Fernando Abreu

E agora, você entende? Você me entende?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010


Tem pisado em tantos palcos, não se adequa a nenhum, sim a vida tem sido uma peça teatral, tudo faz parte da ficção, nada tem sentido real, até os sentimentos são duvidosos... Depois de muito tempo voltou a ouvir O Teatro Mágico, as primeiras músicas trouxeram novamente vida, pulsação acelerada, não de alegria, não por lembranças boas, sim por dor, por choro, mas ao menos a vida voltou ao corpo que perambula por aí... Mas logo tudo foi absorvido, passou a ser parte da massa amorfa... Ser que vaga pelo nada, sem nexo, sem rumo, sem expectativa, pisa em vários palcos, contracena, sobrevive na ficção que acha que pode chamar de vida, atua, reproduz... Desligou-se de tudo que pudesse lhe causar sofrimento, fechou-se, protegeu-se para que não mais senti-se dor como aquela de pouco tempo atrás... Nesses palcos que atua, tudo é surreal, não tem inspiração para nada, não se entusiasma, não tem perspectiva, caminha sem direção, nada almeja, ou talvez esteja a esperar a morte... Ah, a morte, talvez está esteja a espreitar a tempo, esperando só mais um deslize, ou talvez tenha decidido só observar os passos da massa amorfa... Um ser que a pouco brilhava, buscava, lutava, agora decidido só a seguir até onde o que resta de si se dissipar...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


Que poder há em seus olhos, negros, marcantes, contagiantes... Qual magia eles lançam a quem ousa observá-los a fundo? Que fazes com esses seres que encanta? Os conduz com suas palavras para onde quer... Seu sorriso entorpece e incendeia, paralisa e gela, congela meus olhos nos seus, sua voz conforta, seduz... Estátua que te observa, mármore gélido que seu encanto faz aquecer, derrete, Como fazes isso? Que poder há em seus olhos? A vida parece mais forte em seu ser, Como podes ser assim? Olhar-te tornou-se vício, temo que suas lágrimas possam conter veneno, que sua saliva conduza a morte, mas seu sorriso ofusca o restante do mundo desencantado, me conduz para onde quer... Anjo dos olhos negros para onde estas a me conduzir? Para onde ainda haja encanto? Ou para o limo do poço?

Nos poços

Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.


Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 26 de julho de 2010


Passos apressados, vozes histéricas, estressadas, melancólicas, olhares raivosos, insanos, nostálgicos, puros, prósperos, sutis, vazios... pés que se cruzam, ombros que se chocam, olhos que se olham, se reconhecem... ela queria dizer oi, e começar o assunto com aquelas frases prontas, Quanto tempo! Como você está? Ainda mora naquele lugar? ou quem sabe tentar falar sobre um amigo em comum, mas não conseguia lembrar de nenhum nome, queria falar sobre o último telefonema, Sabe não atendi sua ligação aquele dia porque não ouvi o telefone tocar, sei que parece uma desculpa, mas foi o que realmente aconteceu! Te liguei depois, mas você não atendeu, liguei diversas vezes, até que um dia ouvi a mensagem do outro lado dizendo que o número não mais existia. Às vezes releio sua carta, guardada entre as páginas da agenda antiga, seis anos se passaram desde aquele réveillon, a passagem do ano já não tem mais o mesmo encanto! Sua carta com aquela canção, às vezes fico cantarolando-a por horas, junto a ela o envelope com a minha resposta, sim eu respondi sua carta naquela mesma noite, ensaiei colocá-la no correio por diversos dias, não tive coragem, a fraqueza me dominou! Insegura que sou tive medo de te fazer sofrer com uma decisão precipitada, tive medo de que abandonasse seus sonhos, mas naquela noite era o que eu mais queria, mas fui covarde... ela covarde que é, desvia o olhar, abaixa a cabeça e segue transbordando em lágrimas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010


Colocou sua máscara, vestiu-se com o personagem, caminhou por toda a sala relembrando o texto, que havia apresentado a menos de vinte quatro horas e lateja em sua cabeça o dia todo, como se realmente fosse necessário fazê-lo. Fez pose para algumas fotos e foi surpreendida por outras, inspirou profundamente e deixou todo o desespero e insanidade que envolvem seu personagem adentrar em seu ser... Caminhou pelo palco, deitou-se e começou sua cena... Gritou, caminhou, ajoelhou-se, desesperou-se, cravou as unhas em sua pele, puxou seus cabelos, jogou-se no chão, insana, entregue ao desespero, desistente... As demais cenas continuaram, a peça acabou, os aplausos soaram, agradeceu, foi para o camarim e se despiu... Despiu-se da capa, despiu-se da máscara, ajeitou os cabelos como dava, e saiu, cumprimentou alguns, conversou por alguns minutos e se foi, esquecendo de se despir da insanidade e desespero de seu personagem, que agora já não é mais personagem, está impregnado em sua pele, sua mente, sua alma, faz parte de seu ser.

domingo, 18 de julho de 2010


Voltou, voltaram, depois de tanto tempo que cheguei a acreditar que poderiam ficar onde estavam para sempre, que haviam me esquecido, ignorado, desprezado, mas voltaram, como quem passa muito tempo fora e quando chega quer logo reconquistar tudo que deixou, discretamente, mas sem dar chance ao que antes ali estava, foram recuperando posse do que não lhes pertence, invadindo, não por amor, não por cuidado, e sim para a destruição que constroem lentamente, durante a noite, manipulando, ofendendo, entristecendo, dilacerando, aterrorizando, buscando estilhaçar a sanidade e alastrar a insanidade... Eles voltaram, entusiasmados, confiantes, majestosos, eficazes, começaram sutilmente, mas logo isso irá mudar, eu os conheço bem, sei do que são capazes, sei o que buscam, persistentes, vorazes, nunca irão desistir... Voltaram para concretizar o que há tempos iniciaram, voltaram para a assolação.

sábado, 17 de julho de 2010

A Morte dos Girassóis

Mina Anguelova, Os Girassóis

Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os brincos-de-princesa, a enredadeira subindo lenta pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido. Perguntei queque foi, e ele enfim suspirou: “Me disseram no Bonfim que você morreu na quinta-feira”. Eu disse ou pensei em dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse: “É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo-astral”.
Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa.
Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas.
Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir.
Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: “Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?” O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho. Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer.
Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.
Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só apoiei-o numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo. Quando parecia quase bom, crau! Veio uma chuva medonha e deitou-o por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda. Não havia como endireitá-lo.
Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro. Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita lírio ou azaléia, vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo.
Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu? Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo.
Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 7 de julho de 2010


Chegou mais cedo como de costume, mas dessa vez não ficou esperando que mais alguém chegasse para que não entrasse sozinha, não esperou que alguém saísse e perguntasse o que desejava, entrou, simplesmente entrou... Deparou-se com uma sala ampla e vazia, a sua direita uma porta espaçosa de onde facilmente se via duas pequenas salas, vazias, a sua frente outra porta, pequena, mas ela sabia que era somente aquela pequena porta que a separava do "mundo encantado"... A sua esquerda outra porta, aberta, uma sala discreta, três estofados, uma mesa, duas cadeiras, e ninguém... Ao lado da mesa outra pequena porta, de onde gargalhadas surgiam, ela entrou, as duas pessoas que lá estavam a cumprimentaram, não perguntaram nada, o que desejava, quem era, com quem queria falar, chamaram por uma terceira pessoa, o “encantador”...
Foi você quem me ligou hoje?
Não, te liguei na semana passada, não pude vir antes...
Ah sim! Você começa hoje?
Não, queria observar antes, posso?
Claro, pode ficar a vontade.
Descreveu a rotina do local, apresentou-a para todos, entusiasmou, alegrou, encantou mais o ambiente com cada palavra, seus olhos radiantes, seu corpo todo expressa seu sentimento pelo local, o “mundo encantado”... O telefone tocou, pediu licença para atender, e ela saiu para fascinar-se com o ambiente... Agora a pequena porta estava aberta, podia-se ver parte do “mundo encantado”, hesitou em aproximar-se, sentiu ao mesmo tempo medo e uma vontade enorme de avançar em direção a ele, respirou fundo e avançou em direção a porta onde duas pessoas conversavam, olhando para ele e para os demais “encantadores” que lá estavam...
Olá.
Olá.
Você está aqui há quanto tempo?
Já faz mais de um ano, tive que me afastar por um tempo, tem uns seis meses que voltei. Você começa hoje?
Não, hoje vou só observar.
Você vai gostar. Começa hoje!
Ah vou observar, na próxima semana começo.
Você vai gostar!
Conversou por alguns minutos, até que foi convidada para entrar, respirou fundo novamente, ficou tonta com a ansiedade, o estômago nauseando, mãos e pernas trêmulas, mas não se deteve, deu alguns passos, e lá estava ela, dentro do “mundo encantado”, sentou-se e continuou a conversar, até que chegaram mais pessoas, e mais... Um novo “encantador” então convida a todos para se aproximarem, todos se vão, ela fica sozinha pela primeira vez desde que chegou... Sentada, olha, ri, seus olhos brilham, fica encantada, descobre que todos com quem conversava a poucos minutos são "encantadores", e ela a “encantada” admira tudo, cada centímetro do “mundo encantado”, admira cada “encantador”, até que em um instante, quando olhava todos, teve certeza que já havia vivido aquilo antes, não sabe como, não conhecia o “mundo encantado” nem os “encantadores” até poucos minutos atrás, como poderia já ter vivido aquilo antes? Fica confusa, sente-se tonta, confunde com surto, mas logo os “encantadores” lhe trazem de volta, com seus sorrisos, seus cantares, seu encantamento, fica por mais uma hora, e quando tem que ir, sente uma angústia por ter que deixar o “mundo encantado” e ao mesmo tempo a euforia por saber que pode voltar quando quiser...
Você volta?
Sim, na próxima semana!
A “encantada” sai sentindo que agora também já faz parte do “mundo encantado”, e que agora é também uma “encantadora”.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Tratado sobre o Eu, o Outro e a Insanidade


Não faz tanto tempo assim, minhas lembranças confusas, meu Eu parece não ser mais o mesmo Eu de pouco tempo atrás, seu Eu parece ser outro Eu que nunca conheci, talvez nunca tenha conhecido seu verdadeiro Eu, talvez nunca tenha sido o que pensei ser... Devaneios ou recordações? O que vaga em minha mente? Alucinações? Que seja, melhor assim, melhor o passado insano que a decepção, melhor saber que seu Eu nunca foi o que meu Eu achava conhecer, melhor saber que seu Eu sempre foi cercado pela mediocridade, que seu Eu sempre pensou só em si, egoísta, narcisista, egocentrista... Melhor saber que seu Eu é imaturo aos vinte e poucos, talvez ele nem saiba que já chegou lá, talvez seu ápice seja sempre os quatorze... Futilidade, ridicularização dos sentimentos alheios... Moralidade não presente em seu Eu passado, presente, quem sabe futuro... Seu Eu inocente? Não sabe o que aconteceu? Ou talvez o cinismo esteja a transbordar dele... Meu Eu não quer jamais parecer com seu Eu, meu Eu quer o fim dessa hipocrisia, meu Eu retira dele tudo que seu Eu possa ter causado, deixado, meu Eu recomeça livre e espera jamais confiar no seu Eu...

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Penso, lembro, recordo...
Músicas, fotos, fatos...
Dança, abraços, toques...
Olhos, boca, lóbulo...
Dúvida, certeza, insegurança...
Sorriso, lágrima, dor...
Medo, hipótese, ato...
Desespero, revolta, acomodação...
Tristeza, comodismo, recomeço...
Embora ainda lateje não sofro mais como antes!!!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

"As pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem, há o que são e nem sempre se mostra."

Caio Fernando Abreu

domingo, 20 de junho de 2010


Por algumas horas pensei que a dor fosse cessar, pensei que a ferida aberta não mais sangraria, pensei que meus olhos não seriam mais dominados por lágrimas constantes, pensei que talvez até um sorriso ameaçasse surgir em meu rosto... Pensamentos equívocos... A dor que parecia cessar estava somente adormecida, e num instante retornou, com maior força, disposta a dilacerar tudo... A ferida aberta agora jorra sangue, sangue que transborda de todo meu ser, por cascatas de lágrimas abundantes em meus olhos, por meus poros, por meu rosto marcado pela expressão da dor... As coisas parecem não ter mais sentido, não sei como continuar, não sei por onde recomeçar...

sábado, 19 de junho de 2010


Queria que o sono me dominasse por um longo tempo, que minhas pálpebras repousassem, meu coração desacelerasse, meus músculos relaxassem, e minha alma suspirasse, não um suspiro de alívio, mas sim um suspiro de esperança. Não quero que tudo se resolva com a facilidade que se apaga uma palavra e se escreve outra, não espero que tudo tenha um final feliz, quero apenas insistir em continuar, quero que o chão volte a estar abaixo de meus pés, quero admirar a lua como antes, quero contar às estrelas cadentes meus desejos secretos, quero mergulhar em um mar de vida e não de lágrimas... Meu corpo está cansado, busca por um lugar de repouso e não encontra, chora, grita, se desespera, nada adianta, talvez se adormecesse seria melhor, corpo, alma... Talvez os devaneios do sono sejam melhores...

terça-feira, 15 de junho de 2010


Tenho pensado na vida, naquilo que ela poderia ser e não é, naquilo que a deixei se tornar, naquilo que não tive escolha e simplesmente decidiram por mim... Me pergunto o que fiz pra merecer tudo isso, ou o que não fiz pra que as coisas tenham chego onde estão... Repenso os dias, as semanas, os anos, as coisas sempre desmoronando, essa angústia sem fim, o conto de fadas que só dá errado, o final feliz que nunca existe... Tenho pensado no passado, me condeno e me condenam, tento mudar, não sei se é pra bom ou ruim, erro, me arrependo, erro de novo, me sinto um ser desprezível, me desprezam em silêncio, com o olhar, com as ações, queria tanto recomeçar do nada, bem longe, onde ninguém lembre o que fiz nesses últimos vinte quatro anos, nem eu mesma... A insanidade me rodeia, busca uma simples brecha para me dominar por completo, sinto que apenas um fio me sustenta, tão fino e delicado com um fio da teia que a aranha tece, laços de sangue me amparam, tenho medo que não aguentem o peso... Meu passado parece não ser mais meu, mas mesmo sendo assim pago pelos erros que vivi, tenho pensado tanto na vida, que passa, dia após dia, apenas passa... Tenho pensado tanto na morte...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sentir essa dor todos os dias não tem sido fácil, por que as coisas tem que acontecer assim??? Tenho chorado tanto, a angústia me sufoca o dia todo, mas é a noite que ela reúne todas suas forças e sempre tenta me dar o golpe final, tento resistir, mas minhas forças estão fraquejando, o medo, a dor, o horror me inunda quando o sol se põe, às vezes quero gritar, mas sei que será em vão, nada que eu faça irá mudar essa realidade, só resta me conformar, o que tem sido difícil... Luto como posso, sobrevivo como dá... Tenho me torturado remoendo lembranças, e tentando chegar onde errei, por que tudo acabou como está, me sinto um ser tão desprezível, um nada... Vejo a vida passar e sinto que sou uma mera telespectadora, talvez seja isso, apenas vejo a vida passar, não vivo...

"A vida era muito dura. Não chegávamos a passar fome ou frio ou nenhuma dessas coisas. Mas era dura porque era sem cor, sem ritmo e também sem forma. Os dias passavam, passavam e passavam, alcançavam as semanas, dobravam as quinzenas, atingiam os meses, acumulavam-se em anos, amontoavam-se em décadas — e nada acontecia. Eu tinha a impressão de viver dentro de uma enorme e vazia bola de gás, em constante rotação."

(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 7 de junho de 2010


E você volta e descobre que algumas coisas continuam como você as deixou, e outras conseguiram se transformar em algo que você sente que não vai dar conta...

ESTOU COM MEDO!!!

quarta-feira, 2 de junho de 2010


Partindo de viagem, partindo cada dia mais o coração, partindo, partindo...
Se a cada partida fosse possível deixar o que aflige, e a cada volta encontrar as bagunças resolvidas, não só as bagunças de fora, mas as de dentro... Partir sem medo de nada, sem insegurança, sem lágrimas, sem náuseas, sem desespero, sem sentir-se só, será que isso é realmente possível... Embora o retorno seja breve, a angústia sempre desnorteia, o medo, a insegurança, como se a simples presença pudesse controlar os acontecimentos, como se pudesse controlar o mundo... Por que você é assim menina tola? Por que tanta insegurança? Por que tanto medo? Confia mais, acredita, tenha mais fé...

segunda-feira, 31 de maio de 2010


"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

(Caio Fernando Abreu)

Menina acorda não existem contos de fada!!! Menina tola, na vida real não existem reinos encantados onde todos são felizes, onde não há guerra, não há desigualdade... No mundo real não existe uma bruxa má que lhe dá uma maçã envenenada, aqui as bruxas não lhe dão o que comer, elas lhe tiram tudo, toda dignidade, toda oportunidade, todo o pão... Na vida real você não é sempre a mocinha boa, aqui todo mundo experimenta ser bom e mau, aqui a tristeza não dura só algumas páginas, o final nem sempre é feliz... Aqui não surgem soluções pra tudo, os problemas podem durar pra sempre sim, as dores e sofrimento também... Aqui não existe príncipe encantado, muito menos algum que venha montado em um cavalo branco, pra falar a verdade ele nem saberia montar um... Aqui as amizades podem não ser tão verdadeiras assim, as pessoas magoam as outras fingindo não perceber isso... Acorda menina tola!!! Acorda pra realidade que é a vida, não fique aí sentada no seu quarto suspirando por sonhos que não irão se concretizar, não seja hipócrita ao ponto de achar que vive em um reino encantado, olhe para o castelo de sonhos que habita, olhe pra ele e verá que é apenas uma caverna, o mundo não é nem irá ser como você imagina...

domingo, 23 de maio de 2010


Graciosa, delicada, meiga, e se a bailarina não for nada disso, e se tudo for substituído pela tristeza, melancolia, nostalgia... Uma bailarina que um dia acordou e percebeu que não sabe mais dançar, tem seus vestidos, suas sapatilhas ainda estão lá, mas a dança, essa se foi, por mais que ela tente, chore, grite, nada irá resolver, apenas se foi, talvez para sempre...
E como a estória dessa bailarina é totalmente diferente das outras, nessa hora desesperadora, de quem ela esperava força pra continuar, pra relembrar, pra aprender, pra abraçar e secar suas lágrimas com os lábios dizendo que tudo vai ficar bem, ele também se foi, não o soldado de chumbo como diz a canção, mas sim aquele que é quase humano, diferenciando-se apenas porque carrega em seu peito pedra gélida, talvez essa seja sua parte de chumbo, o que ele diz ser um coração...

“E pra minha poesia é o ponto final
É o ponto em que recomeço,
Recanto e despeço da magia que balança o mundo
Bailarina, soldado de chumbo
Bailarina, soldado de chumbo
Beijo e dor...
Bailarina, soldado de chumbo”
(Fernando Anitelli)

Aos amigos do Projeto Perobal


Notícias...

É Orkut serve pra manter contato com os que estão longe, fofocar com quem não está tão longe assim, postar fotos legais e fotos das poses mais horríveis que seus amigos já fizeram, adicionar comunidades que você acha que expressam o que você sente e alguns dias depois ver que ela agora é uma comunidade com um tema imbecil qualquer, bisbilhotar a vida dos outros e os outros também bisbilhotarem a sua, um monte de coisas supérfluas, há pessoas que tem até fazenda, peixe, e bebê pra cuidar todos os dias...
É, mais Orkut também serve pra lhe mostrar coisas que você não queria jamais presenciar, recados com notícias que nunca queria receber, depoimentos que nunca queria ler... Ele me trouxe isso esta semana... A dor por ver o fim de um sonho tão real, o coração acelerado, as lágrimas nos olhos, o estômago nauseando, a angústia e a tristeza novamente invadindo meu ser... Como doeu ler aquilo, doeu mais ainda abrir o link que certo recado trazia, doeu e dói cada instante mais, as lembranças dançando em minha mente, as vozes, os passos, as risadas, as conversas, as músicas, as bolas quicando, os passeios, os amigos, os anos de convivência, a sensação nostálgica invade meu ser...
Viver o fim de um grande amor dói muito... Ver uma família se desfazer assim traz imediatamente a sensação de impotência diante de tudo que acontece nesse mundo, me senti um ser insignificante de mãos e pés algemados, boca amordaçada, e olhos sem vendas para que eu possa ver o sofrimento e nada possa fazer...

sexta-feira, 21 de maio de 2010


Chocolate, coca-cola, vinho, violão, música, um pen drive que atrasa, bets, pizza, uma reunião a noite, o vento gélido, um tal de X-Ricardo sem milho, um jogo na TV, mais coca-cola, mais chocolate, um filme na sexta a noite, um encontro pela manhã, um ensaio coreográfico pra quem não consegue nem coordenar sua vida, quem sabe mais uma coca-cola depois, ou quem sabe voltar pra caverna que só é permitido a mim habitar, cheia de significados em cada objeto, em cada detalhe, cheia de vida apenas da pobre plantinha que lá tem de ficar por pura falta de opção...
Os planos não realizados, a banda que tocou sem minha presença, a aula circense que não presenciei, os lugares e as pessoas que devia telefonar e não o fiz, os livros que comprei e não li, os objetivos de estudo que ignorei, os filmes que não comprei, a carta que não respondi... Mais uma semana se foi...
Apenas a certeza que aquele que fez minha respiração acelerar por alguns dias agora faz a mesma respiração cessar.

quinta-feira, 20 de maio de 2010


CARTA ANÔNIMA

Para ler ao som de Melodia sentimental, de Villa-Lobos, cantada por Olivia Byington.
Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais frequente, e me deixava irritado, agora não, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés delas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.) E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você — seria, seriam?
Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olivia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Wim Wenders, mais Cecília Meireles que Nélson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão Cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas Contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão frequente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormirvezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.


Caio Fernando Abreu