segunda-feira, 31 de maio de 2010


"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."

(Caio Fernando Abreu)

Menina acorda não existem contos de fada!!! Menina tola, na vida real não existem reinos encantados onde todos são felizes, onde não há guerra, não há desigualdade... No mundo real não existe uma bruxa má que lhe dá uma maçã envenenada, aqui as bruxas não lhe dão o que comer, elas lhe tiram tudo, toda dignidade, toda oportunidade, todo o pão... Na vida real você não é sempre a mocinha boa, aqui todo mundo experimenta ser bom e mau, aqui a tristeza não dura só algumas páginas, o final nem sempre é feliz... Aqui não surgem soluções pra tudo, os problemas podem durar pra sempre sim, as dores e sofrimento também... Aqui não existe príncipe encantado, muito menos algum que venha montado em um cavalo branco, pra falar a verdade ele nem saberia montar um... Aqui as amizades podem não ser tão verdadeiras assim, as pessoas magoam as outras fingindo não perceber isso... Acorda menina tola!!! Acorda pra realidade que é a vida, não fique aí sentada no seu quarto suspirando por sonhos que não irão se concretizar, não seja hipócrita ao ponto de achar que vive em um reino encantado, olhe para o castelo de sonhos que habita, olhe pra ele e verá que é apenas uma caverna, o mundo não é nem irá ser como você imagina...

domingo, 23 de maio de 2010


Graciosa, delicada, meiga, e se a bailarina não for nada disso, e se tudo for substituído pela tristeza, melancolia, nostalgia... Uma bailarina que um dia acordou e percebeu que não sabe mais dançar, tem seus vestidos, suas sapatilhas ainda estão lá, mas a dança, essa se foi, por mais que ela tente, chore, grite, nada irá resolver, apenas se foi, talvez para sempre...
E como a estória dessa bailarina é totalmente diferente das outras, nessa hora desesperadora, de quem ela esperava força pra continuar, pra relembrar, pra aprender, pra abraçar e secar suas lágrimas com os lábios dizendo que tudo vai ficar bem, ele também se foi, não o soldado de chumbo como diz a canção, mas sim aquele que é quase humano, diferenciando-se apenas porque carrega em seu peito pedra gélida, talvez essa seja sua parte de chumbo, o que ele diz ser um coração...

“E pra minha poesia é o ponto final
É o ponto em que recomeço,
Recanto e despeço da magia que balança o mundo
Bailarina, soldado de chumbo
Bailarina, soldado de chumbo
Beijo e dor...
Bailarina, soldado de chumbo”
(Fernando Anitelli)

Aos amigos do Projeto Perobal


Notícias...

É Orkut serve pra manter contato com os que estão longe, fofocar com quem não está tão longe assim, postar fotos legais e fotos das poses mais horríveis que seus amigos já fizeram, adicionar comunidades que você acha que expressam o que você sente e alguns dias depois ver que ela agora é uma comunidade com um tema imbecil qualquer, bisbilhotar a vida dos outros e os outros também bisbilhotarem a sua, um monte de coisas supérfluas, há pessoas que tem até fazenda, peixe, e bebê pra cuidar todos os dias...
É, mais Orkut também serve pra lhe mostrar coisas que você não queria jamais presenciar, recados com notícias que nunca queria receber, depoimentos que nunca queria ler... Ele me trouxe isso esta semana... A dor por ver o fim de um sonho tão real, o coração acelerado, as lágrimas nos olhos, o estômago nauseando, a angústia e a tristeza novamente invadindo meu ser... Como doeu ler aquilo, doeu mais ainda abrir o link que certo recado trazia, doeu e dói cada instante mais, as lembranças dançando em minha mente, as vozes, os passos, as risadas, as conversas, as músicas, as bolas quicando, os passeios, os amigos, os anos de convivência, a sensação nostálgica invade meu ser...
Viver o fim de um grande amor dói muito... Ver uma família se desfazer assim traz imediatamente a sensação de impotência diante de tudo que acontece nesse mundo, me senti um ser insignificante de mãos e pés algemados, boca amordaçada, e olhos sem vendas para que eu possa ver o sofrimento e nada possa fazer...

sexta-feira, 21 de maio de 2010


Chocolate, coca-cola, vinho, violão, música, um pen drive que atrasa, bets, pizza, uma reunião a noite, o vento gélido, um tal de X-Ricardo sem milho, um jogo na TV, mais coca-cola, mais chocolate, um filme na sexta a noite, um encontro pela manhã, um ensaio coreográfico pra quem não consegue nem coordenar sua vida, quem sabe mais uma coca-cola depois, ou quem sabe voltar pra caverna que só é permitido a mim habitar, cheia de significados em cada objeto, em cada detalhe, cheia de vida apenas da pobre plantinha que lá tem de ficar por pura falta de opção...
Os planos não realizados, a banda que tocou sem minha presença, a aula circense que não presenciei, os lugares e as pessoas que devia telefonar e não o fiz, os livros que comprei e não li, os objetivos de estudo que ignorei, os filmes que não comprei, a carta que não respondi... Mais uma semana se foi...
Apenas a certeza que aquele que fez minha respiração acelerar por alguns dias agora faz a mesma respiração cessar.

quinta-feira, 20 de maio de 2010


CARTA ANÔNIMA

Para ler ao som de Melodia sentimental, de Villa-Lobos, cantada por Olivia Byington.
Tenho trabalhado tanto, mas penso sempre em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assentada aos poucos, e com mais força enquanto a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos. Tão transparentes que até parecem de vidro, vidro tão fino que, quando penso mais forte, parece que vai ficar assim clack! e quebrar em cacos, o pensamento que penso de você. Se não dormisse cedo nem estivesse quase sempre cansado, acho que esses pensamentos quase doeriam e fariam clack! de madrugada e eu me veria catando cacos de vidro entre os lençóis. Brilham, na palma da minha mão. Num deles, tem uma borboleta de asa rasgada. Noutro, um barco confundido com a linha do horizonte, onde também tem uma ilha. Não, não: acho que a ilha mora num caquinho só dela. Noutro, um punhal de jade. Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas são sempre bonitas. Parecem filme, livro, quadro. Não doem porque não ameaçam. Nada que eu penso de você ameaça. Durmo cedo, nunca quebra.
Daí penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, depois de trabalhar o dia inteiro, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você. Quando não encontro lugar para sentar, o que é mais frequente, e me deixava irritado, agora não, descobri um jeito engraçado de, mesmo assim, continuar pensando em você. Me seguro naquela barra de ferro, olho através das janelas que, nessa posição, só deixam ver metade do corpo das pessoas pelas calçadas, e procuro nos pés delas aqueles que poderiam ser os seus. (A teus pés, lembro.) E fico tão embalado que chego a me curvar, certo que são mesmo os seus pés parados em alguma parada, alguma esquina. Nunca vejo você — seria, seriam?
Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam uma nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de frutas em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta meu pensamento e do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você. Digo eu também, mas não sei o que falamos em seguida porque ficamos meio encabulados, a gente tem muito poder de parecer ridículos melosos piegas bregas românticos pueris banais. Mas no que eu penso, penso também que somos mesmo meio tudo isso, não tem jeito, e tudo que vamos dizendo, quando falamos no meu pensamento, é frágil como a voz de Olivia Byington cantando Villa-Lobos, mais perto de Mozart que de Wagner, mais Chagal que Van Gogh, mais Jarmush que Wim Wenders, mais Cecília Meireles que Nélson Rodrigues.
Tenho trabalhado tanto, por isso mesmo talvez ando pensando assim em você. Brotam espaços azuis quando penso. No meu pensamento, você nunca me critica por eu ser um pouco tolo, meio melodramático, e penso então tule nuvem castelo seda perfume brisa turquesa vime. E deito a cabeça no seu colo ou você deita a cabeça no meu, tanto faz, e ficamos tanto tempo assim que a terra treme e vulcões explodem e pestes se alastram e nós nem percebemos, no umbigo do universo. Você toca na minha mão, eu toco na sua.
Demora tanto que só depois de passarem três mil dias consigo olhar bem dentro dos seus olhos e é então feito mergulhar numas águas verdes tão Cristalinas que têm algas na superfície ressaltadas Contra a areia branca do fundo. Aqualouco, encontro pérolas. Sei que é meio idiota, mas gosto de pensar desse jeito, e se estou em pé no ônibus solto um pouco as mãos daquela barra de ferro para meu corpo balançar como se estivesse a bordo de um navio ou de você. Fecho os olhos, faz tanto bem, você não sabe. Suspiro tanto quando penso em você, chorar só choro às vezes, e é tão frequente. Caminho mais devagar, certo que na próxima esquina, quem sabe. Não tenho tido muito tempo ultimamente mas penso tanto em você que na hora de dormirvezenquando até sorrio e fico passando a ponta do meu dedo no lóbulo da sua orelha e repito repito em voz baixa te amo tanto dorme com os anjos. Mas depois sou eu quem dorme e sonha, sonho com os anjos. Nuvens, espaços azuis, pérolas no fundo do mar. Clack! como se fosse verdade, um beijo.


Caio Fernando Abreu